domingo, 19 de agosto de 2018

Entrevista Luiz Domingues

Hoje o Brasil Rocker tem a honra de apresentar uma entrevista com o lendário baixista Luiz Domingues, que já passou pelas bandas Língua de Trapo, A Chave do Sol, Patrulha do Espaço (entre outras), e atualmente está com Os Kurandeiros.  Ele fala sobre toda sua carreira, desde os primórdios até os dias atuais.


Luiz, seja bem vindo ao Brasil Rocker. É uma honra entrevistar um músico que contribuiu com várias bandas do Rock Nacional. Seja bem vindo e sinta-se a vontade!

Luiz Domingues: Muito obrigado pelo convite, Mateus Freire. Estou feliz e honrado em participar de seu Blog. Agradeço o seu elogio sobre o meu trabalho, certamente. E tem razão, por eu ter nesta altura, uma carreira já bem longeva, acumulei sob tal trajetória, participações significativas em várias bandas, com uma boa história para contar sobre cada uma delas.

Como a música entrou na sua vida?


Luiz Domingues:  Bem, nasci em 1960, e mesmo criança, foi impossível não ser impactado pelo furacão sonoro e cultural em geral, dos anos sessenta, sob múltiplas tendências. Entre 1963 e 1965, ouvi muita coisa pelo rádio, TV e na vitrola de casa. Em 1966 e 1967, comecei a mergulhar mais decisivamente nesse universo e a partir de 1968, entrei em uma progressão contínua, no formato de uma avalanche. E aí foi arrebatador não só pela música, mas é importante frisar que havia toda uma atmosfera que envolvia a música, embalada por valores contraculturais; movimento Hippie e outros elementos no bojo, portanto, a euforia gerada foi magnânima e empurrou-me para tal caminho, aliás, não só eu, mas centenas, talvez milhares de jovens que entraram na mesma sintonia em acreditar que construiríamos um mundo melhor a partir da tomada de novas posturas adquiridas e a música a ter um papel enorme nessa equação, como força motriz para impulsionar-nos.



O que te fez optar pelo contrabaixo?

Luiz Domingues: Foi meramente ocasional e um reflexo direto do que exprimi na resposta anterior. Ou seja, naquela época, mais importante do que nutrir simpatia por um instrumento em específico, foi o sentimento em querer atuar na música na forma que fosse possível. Eu queria estar dentro de uma banda de Rock e não importava-me a maneira em que isso transcorresse. Então, quando recebi o convite para formar uma banda, da parte do guitarrista, Osvaldo Vicino, ele perguntou-me se eu tocava algum instrumento e eu respondi-lhe que nenhum. Perguntou-me a seguir se eu cantava e claro que eu não tinha nenhuma noção. Então, ele propôs que eu fosse o baixista da banda e lógico que eu aceitei, mesmo sem saber nada sobre o instrumento. Coloquei-me a estudar os rudimentos do instrumento e da teoria musical e assim iniciou-se a minha carreira, quando a minha primeira banda foi fundada, o Boca do Céu, em abril de 1976. Em agosto desse mesmo ano, um jovem e também inexperiente vocalista, chamado, Laert Julio, ingressou em nossa banda. Ele viria a ser o Laert “Sarrumor”, posteriormente, do Língua de Trapo. Em síntese, não eu nunca tive nenhum apreço especial pelo baixo, mas apenas foi o que o destino jogou em minhas mãos como ferramenta para estar inserido em uma banda de Rock e esse foi o meu real objetivo. Claro, com o tempo, criei uma afinidade com o instrumento, mas não sou nenhum fanático e pelo contrário, gosto de todos os instrumentos, pois na verdade, eu gosto de música e não de uma ferramenta em si.

Quais os músicos e bandas que mais te influenciaram no início de carreira?

Luiz Domingues: Se for elaborar uma lista com nomes de artistas que admiro e influenciaram-me direta ou indiretamente, ocuparia um espaço gigantesco da entrevista e fatalmente, depois de publicada, poderia gerar-me algum arrependimento por eu ter esquecido em mencionar diversos outros. Então, para não frustrar os leitores, digo que aprecio muita coisa. O Rock é o carro chefe, mas gosto também de Blues; Black Music (Soul / R’n’B / Funk - o verdadeiro, por favor); algumas vertentes do Jazz; Música erudita em geral; MPB; Folk europeu; norte-americano e brasileiro; música étnica de diversos países; Trilhas sonoras de filmes / seriados & desenhos animados etc. E para situar o Rock, a Black Music e a MPB, a base primordial fica entre as décadas de cinquenta e setenta, predominantemente e o cancioneiro Folk e o Blues, mais para trás, anos vinte a quarenta, em linhas gerais. Especificamente dentro do Rock, gosto de Rock’n Roll clássico, cinquentista; todas as vertentes dos anos sessenta e setenta; Blues-Rock; Acid Rock; Psicodelia; Hard-Rock; Pop; Glitter-Rock; Jazz-Rock e Soft-Rock.

Como começou sua carreira profissional?

Luiz Domingues:  Bem, já adiantei essa resposta, anteriormente. Mas acrescento, que em 1975, eu estava decidido a mergulhar no universo do Rock, mas somente em abril de 1976, surgiu-me a oportunidade concreta, quando o guitarrista, Osvaldo Vicino, formulou-me o convite para fundarmos o “Boca do Céu”, minha primeira banda.



No final dos anos 70, foi fundada a banda Língua de Trapo. Como aconteceu a fundação da banda?

Luiz Domingues: Quando o Boca do Céu encerrou atividades, por volta de abril de 1979, o Laert Sarrumor já estava a cursar jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e ali conhecera uma série de músicos, todos igualmente estudantes de jornalismo. Formou-se um grupo de música para realizar um recital de música e poesia dentro de uma sala de aulas da Faculdade, que foi realizado em junho desse mesmo ano. Por não ter achado nenhum baixista na turma, o Laert encaixou-me, mesmo eu ainda sendo um secundarista em meio aos demais, todos universitários. Fizemos o recital com grande sucesso e daí marcou-se mais uma data a seguir e depois disso, esse embrião primordial, tornou-se o Língua de Trapo e a banda ganhou enfim o contorno do humor e da sátira sociopolítica, como seu carro chefe. Daí em diante, foram muitos shows e participações em festivais, no âmbito universitário e a banda galgou muitos degraus, com sucesso.

Em 1984, foi lançado o primeiro compacto do Língua de Trapo, o "Sem Indiretas". Como foi para você entrar em estúdio para gravar pela primeira vez?

Luiz Domingues: Na verdade, a primeira vez em que eu entrei em estúdio com o Língua de Trapo, foi em 1980, quando gravamos a primeira Demo-Tape, que recebeu o nome de : “Sutil como um Cassetete”, que apesar ter sido lançada apenas no formato de uma fita K7, foi vendida informalmente e com um sucesso muito surpreendente para a banda, na época. Eu saí do Língua de Trapo em janeiro de 1981 e não gravei o primeiro disco, o LP homônimo de 1982 e que alavancou o Língua de Trapo ao sucesso em grande escala. Voltei para a banda em outubro de 1983 e o Compacto, “Sem Indiretas”, foi gravado enfim com a minha participação, mas não foi em estúdio. Trata-se de um disco gravado ao vivo no Teatro Lira Paulistana, de São Paulo. Portanto, meu primeiro disco oficial na minha carreira, foi na verdade gravado ao vivo.


Como foi a repercussão do compacto na época?

Luiz Domingues: Foi fantástica! A banda vivia grande momento em sua carreira, com forte repercussão midiática e sob uma agenda frenética a emendar temporadas coladas em temporadas, sem tempo para respirar, realizadas em São Paulo e Rio, principalmente, mas com passagens pelo Paraná; Minas Gerais e cidades do interior de São Paulo.


Em 1982, você  vai tocar na banda A Chave do Sol, uma banda com sonoridade diferente da que você estava tocando antes. Você se adaptou em tocar essa nova sonoridade, ou já era um tipo de som que ouvia e sabia como era o "esquema"?

Luiz Domingues: Quando eu saí do Língua de Trapo pela primeira vez, no início de 1981, foi para dedicar-me a uma banda cover, chamada, “Terra no Asfalto”, que nunca teve pretensão em fazer música autoral, mas teve em suas fileiras músicos com enorme calibre técnico e acumulou muitas histórias interessantes. Portanto, valeu a pena ter sido componente, não só para ganhar dinheiro, a tocar pela noite paulistana, mas tal banda foi uma escola fantástica, que preparou-me para estar apto a montar enfim uma banda de Rock autoral. E foi o que ocorreu quando essa banda encerrou atividades. Como uma última tentativa para mantê-la viva, uma pessoa amiga apresentou-nos um possível guitarrista para a reformularmos, chamado Rubens Gióia. Assim que conhecemo-nos, percebemos que a melhor atitude seria fundarmos uma banda autoral, e assim nasceu, A Chave do Sol. Eu sugeri o nome do José Luiz Dinola e assim, o trio básico começou a trabalhar. Sobre a sonoridade, nos primórdios, a nossa meta foi fazer o que gostávamos, ou seja, Rock 1960 / 1970, sob múltiplas vertentes, na concepção minha e do Rubens. E da parte do Zé Luiz, seu gosto pessoal era mais fechado no Jazz-Rock, também setentista. Esse foi o nosso som no começo e fomos a mudar com o tempo, para tentar adequações ao mercado oitentista, pois visávamos adentrar o mainstream e infelizmente abandonamos a pureza inicial de nossos propósitos para entrar nessa busca.


A Chave do Sol teve algumas formações, com ótimos músicos. Dentre essas, qual a que você acha mais consistente e coesa?

Luiz Domingues: Pelo companheirismo, eu gosto de todas as fases, pois em todas, tivemos alegrias. Particularmente, a que eu mais gosto é a do início, entre 1982 e 1983, com aquela euforia gerada pelas primeiras pequenas conquistas e o trabalho, como já explanei anteriormente, mais próximo de nossas raízes sessenta / setentistas. Mas claro que as fases posteriores tem seus méritos e proporcionou-nos muitas alegrias, decorrentes da boa exposição midiática que geramos e consequente formação de um público muito grande para uma banda que chegou perto do mainstream, mas que na realidade, nunca o adentrou, de fato.


Em 1989, entram em estúdio e gravam um LP chamado "A New Revolution", pelo selo Devil's Discos, com o nome The Key, e logo após a gravação você sai. Quais os motivos que ocasionaram sua saída da banda?


Luiz Domingues: Bem, aqui tem um equívoco de avaliação da parte da maioria das pessoas. “A Chave” (que depois mudou de nome para “The Key”), é uma outra banda, na realidade. Ela nasceu de fato como uma dissidência da Chave do Sol, mas não foi a sua continuidade, como muita gente pensa. Tratou-se de uma banda com outra sonoridade, formação e propósito artístico, versada por uma estética diferente. Minha saída foi por conta disso mesmo, a contrariedade em termos de apreço pela estética adotada. Eu participei do início por uma série de motivos que estão explicados detalhadamente no texto do meu livro autobiográfico, mas que aqui ficaria muito longo para esclarecer. O importante é deixar claro, que trata-se de uma outra banda que lançou esse disco único e portanto, o LP “A New Revolution” não faz parte da discografia da Chave do Sol.

No que você se dedicou entre 1989 e 1992 (época em que não tocou em bandas autorais)?

Luiz Domingues: Nesse período em que saí dessa banda, “A Chave / The Key”, realmente permaneci, do final de 1989, até janeiro de 1992, sem estar em uma banda autoral, oficialmente, e constituiu o maior hiato que tive na carreira, nesse sentido. Contudo, não fiquei parado e pelo contrário, fiz muitos trabalhos como músico convidado para bandas Tributo e participei de inúmeros projetos de banda, ou que não deram certo ou que cheguei a tocar ao vivo e gravar Demo-Tape, mas que nem computei como trabalho oficial, por ter durado muito pouco. São vários capítulos a tratar desses empreendimentos, que eu denominei como : “Trabalhos Avulsos”, no livro.

No ano de 1992, você entrou na banda Pitbulls on Crack. Como foi pra você tocar nessa banda, que tinha uma sonoridade diferente de tudo que você havia feito antes?

Luiz Domingues: Foi exatamente uma aposta em um som avesso ao que eu sempre gostei. Aquela sonoridade entre o Indie Rock noventista e o Grunge, com um pé no Punk Rock, que aliás é um gênero que eu não gosto nem um pouco, pareceu-me ser uma oportunidade para transitar no campo do “inimigo”. Teria sido o tipo de som que a “inteligentzia” que dominava a mídia mainstream, costumava adorar e eu considerei, ingenuamente, que se lutasse com o exército inimigo, poderia vencer a guerra, mas isso não ocorreu. Metáfora e brincadeira a parte, tirante a parte verdadeira dessa afirmação que fiz anteriormente, os companheiros foram (são), pessoas sensacionais e digo sem medo de errar que foi a banda onde mais diverti-me, pois o astral sempre foi ótimo pelas brincadeiras por eles perpetradas, em meio a três piadistas natos, que são. No Pitbulls on Crack eu sentia-me como um membro do Monty Phyton, tamanha a quantidade de risadas que dei naqueles cinco anos vividos com eles pelos bastidores de shows e emissoras de rádio & TV; estúdios de gravação etc. E curiosamente, a tal sonoridade acre, foi mudada rapidamente, pois eu comecei a colocar linhas de baixo mais sofisticadas e quebrei aquela aspereza, “indie”. Rapidamente, ainda bem no começo de 1992, mais soávamos como uma banda britânica de Glitter Rock setentista, tanto que logo a revista Bizz percebeu e soltou uma nota a falar que parecíamos o “Mott The Hoople”, em plenos anos noventa! Opa, que ótimo, missão cumprida! Fora isso, essa banda teve bastante abertura midiática e acredito que só não subiu mais na carreira, por cantar em inglês, um erro estratégico a barrar a nossa chegada ao mainstream, eu creio. E mais um dado, foi um prazer conviver com os três colegas que tive, todos ótimas pessoas e super divertidos no cotidiano.


Antes de entrar no Patrulha do Espaço, você tocou em uma banda chamada Sidharta. Existe algum registro dessa banda? Qual era a sonoridade da banda?

Luiz Domingues: Então, tocar no Pitbulls on Crack foi super prazeroso por muitos aspectos, mas mesmo quando forcei essa banda a soar sessenta / setentista, quando gravamos o CD Lift Off em 1996, na prática, a banda não foi a plataforma ideal para eu buscar o resgate estético que eu desejava realizar em minha carreira. Daí, minha única alternativa foi sair e montar enfim, um banda 100 % coadunada com os ideais contraculturais das décadas de sessenta e setenta, meu objetivo acalentado desde os anos setenta. Portanto, o Sidharta foi isso em essência, uma banda fechada na ideia em soar como se fosse uma banda situada entre aquelas duas décadas citadas, mas sob um leque imenso de possibilidades sonoras. A ideia seria radicalizar, esteticamente, inclusive a inserir signos esparramados não só pela música em si, que produziríamos, mas a expressar tudo isso nas letras das canções; no figurino que adotássemos; adereços; cenários e múltiplos outros detalhes inerentes. Sobre material dessa banda, temos apenas dois vídeos com músicas tocadas em ensaio e muitas gravações de áudio de ensaios, que um dia poderão ser digitalizadas e lançadas. Nunca tocamos ao vivo ou gravamos oficialmente, pois essa banda que na prática foi apenas um projeto, compôs 22 músicas, mas elas foram aproveitadas, posteriormente pela Patrulha do Espaço, quando eu; Marcello Schevano e Rodrigo Hid, levamos o espírito do Sidharta para fundir-se à Patrulha do Espaço. E também houve regravações de outras canções do Sidharta no “Pedra” e para um disco solo do Marcello Schevano, que começou a ser gravado por volta de 2007, mas foi engavetado, a seguir. Mas nada impede que seja lançado no futuro e contém uma canção composta no tempo do Sidharta.



Em 1999, você é convocado para tocar no Patrulha do Espaço (do mestre das baquetas Rolando Castello Junior) e chegou a gravar cinco discos com a banda. Já vi muita gente dizer q a formação em que você tocou foi a melhor de todas! Como foi para você tocar com o Patrulha?

Luiz Domingues: Foi a continuidade que eu descrevi na resposta anterior. O José Luiz Dinola, que fora o baterista da Chave do Sol, esteve conosco no Sidharta, mas chegou em um ponto, após meses com ensaios, que ele mostrou-se insatisfeito com a nossa proposta tão radicalmente retrô e decidiu sair. Tínhamos 22 músicas ótimas em mãos, mas sabíamos que para convidar outro baterista, só daria certo se fosse alguém que pensasse e vibrasse sob o mesmo parâmetro, literalmente, como nós, portanto, abordamos o Rolando Castello Junior, que não é apenas um baterista monstruoso, mas alguém que tinha essa mesma cultura Rocker, fortíssima e mais que isso, era egresso da época, por ser um grande personagem dos anos sessenta e setenta, portanto, vivera intensamente toda essa vibração. Foi quando ele convenceu-nos que não haveria o menor cabimento em montarmos uma banda da estaca zero, com essa proposta tão radical, mas se a Patrulha do Espaço voltasse, seria tudo mais fácil para o trabalho fluir. Perfeito, trouxemos sangue novo e cheio de energia Rocker genuína, baseada em ideais, mas através de uma banda com história; fãs; respeito; tradições etc. Portanto, não começamos da estaca zero, mas já muito avançados, como uma banda famosa. E sobre isso, foi fantástico exercer tudo o que sonháramos nos tempos do Sidharta, na prática. Foram centenas de shows, muitos sob profunda comoção por verificarmos a sinergia dessa proposta Rocker retrô, em plena comunhão com plateias jovens. Fomos uma banda dos anos 2000, mas a tocar com a energia de 1970, e para plateias que não eram nascidas nessa época, mas que ansiavam por vivenciar tal vibração. Foi portanto, uma realização de meta, que atingi, nesse sentido. E isso sem contar com os discos que eternizamos, dos quais, muito orgulho-me.



Com a sua saída da Patrulha do Espaço, é formada a banda Pedra, com seu companheiro da Patrulha Rodrigo Hid, além dos guitarristas Xando Zupo e Tadeu Dias, e o batera Alex Soares. Assim que a banda é formada, os músicos já correm atrás, para a gravação do primeiro álbum. Como foi o processo de composição/ gravação desse disco?

Luiz Domingues: Mesmo por haver os aspectos positivos, houve um desgaste natural e assim, pouco tempo depois de sair da Patrulha do Espaço, sentia-me cansado e pensei em parar. Apesar da parte artística maravilhosa, ser Rocker em um país como o Brasil é um exercício permeado por adversidades, algumas até intransponíveis. Então, eis que surgiu o convite da parte do guitarrista, Xando Zupo, e apesar de eu sentir-me cansado e um tanto quanto descrente da música autoral, fui conhecer o trabalho e gostei, principalmente pela proposta em não fechar exatamente no Rock, mas com aberturas para a Black Music; MPB e até para o Folk. De fato já havia esse núcleo, por você citado, com tais músicos talentosos e assim nasceu o Pedra. Mas rapidamente a banda passou por reformulações e apesar do Alex Soares ter gravado o primeiro álbum, foi com Ivan Scartezini que o grupo entrou mesmo na estrada. A maioria das canções foram da autoria do Xando, que é um compositor muito competente e com a entrada do Rodrigo Hid, a banda ganhou ainda mais em talento criativo. Foi a banda onde mais toquei Black Music, Soul Music sobretudo, uma vertente que eu adoro, mas não havia dado muita vazão em trabalhos anteriores, a não ser em alguns aspectos do trabalho do Sidharta e na Patrulha do Espaço. Meu lado Motown / Stax, aflorou e pude enfim tocar aquele swing que eu ouvia no som do Otis Redding, em 1968, e que enlouquecia-me.



A banda Pedra encerrou as atividades em 2011, logo em seguida você foi chamado para tocar n'Os Kurandeiros, banda que você participa atualmente. Como foi essa "convocação" para a banda?

Luiz Domingues: Bem, o Pedra teve duas fases. Quando acabou em 2011, eu não queria ter encerrado as atividades. Fui pego de surpresa pela decisão dos demais e com essa parada forçada, recebi alguns convites, todavia, aceitei o do Kim Kehl que teve peso duplo. Ele queria que eu integrasse Os Kurandeiros, mas também entrasse com eles no “Nudes”, a banda de apoio do compositor, Ciro Pessoa, ex-Titãs e ex-Cabine C. Em princípio fiquei um tanto quanto atônito sobre o Nudes, por conta dos trabalhos pregressos do Ciro, versados pela estética do Pós-Punk oitentista, que eu sempre critiquei, em via de regra, por inúmeros fatores e tudo muito bem detalhado no meu livro. Mas surpreendi-me, pois o trabalho solo do Ciro, era na verdade baseado na psicodelia sessentista explícita e aí, mesmo não tendo tido uma grande profusão de oportunidades, foi divertido demais fazer parte dessa loucura baseada em surrealismo puro. Contudo, sobre Os Kurandeiros, que é o âmago da sua pergunta, eu sabia do que tratava-se e não tive nenhuma reserva. Não tive nenhum receio sobre choque estético e muito pelo contrário, tudo o que influenciava a banda estava dentro das minhas predileções, tranquilamente. Temi apenas, em princípio, não estar apto a tocar Blues com a desenvoltura necessária, pois engana-se o músico mal informado, que o Blues, por ter uma estrutura harmônica supostamente repetitiva, seja algo fácil para tocar-se. Sofri um pouco no começo, mas o Kim e o Carlinhos deram-me total respaldo e logo entrosei-me. Adoro tocar com essa banda por múltiplos motivos e entre os quais, pelo leque aberto dentro do Rock e do Blues vintage, a passear por inúmeras vertentes. Naquele panorama que envolve o Rock; Blues e Black Music em geral, incluso a Country Music; Surf Music e até certas vertentes do Jazz e do Gospel secular, é uma delícia tocar com Os Kurandeiros. E soamos muitas vezes como Hard-Rock e Acid Rock sessentista. Tem certas Jams que fazemos no improviso total em que eu sinto-me a tocar com o Grateful Dead, a passar pelo Jimi Hendrix Experience e Led Zeppelin. É uma gama gigantesca de possibilidades sonoras que essa banda faz uso e isso sem contar o astral interno da banda que é ótimo. Somos muito companheiros, solidários e unidos.



A Banda Pedra lançou o último disco (Fuzuê) que só saiu digitalmente. Qual sua opinião sobre o lançamento de material em plataformas digitais, isso ajuda na divulgação da banda?

Luiz Domingues: Bem, o fato do terceiro álbum do Pedra ter saído somente em versão digital não foi algo estudado como alguma estratégia de marketing, mas meramente motivado pelo desgaste sentido no interno da banda e quando quase não havia mais forças para projetar a continuidade do trabalho, foi a melhor solução encontrada para deixar o material, como um legado final da banda, aos seus fãs.

O que podemos esperar de novidades dos Kurandeiros para o futuro?

Luiz Domingues: Muita coisa, temos planos para tocar e gravar. Agora em julho de 2018, a banda lançou dois CD’s ao vivo com material da nossa formação atual e formações anteriores. Trata-se dos CD’s : “Rádio Pirata Rock Ao Vivo” e “Piratão”. O primeiro, contém material gravado ao vivo em programas de Rádio e TV, em diversas ocasiões entre 2015 e 2017, com a formação da qual faço parte e várias faixas de uma ocasião ocorrida em 2009, com uma formação pregressa. E o “Piratão”, trata-se de um show de 2009, com essa formação anterior, realizado no Centro Cultural São Paulo. E ainda não encerramos os esforços de divulgação para a canção, “Andando na Praia”, que foi lançada em maio, como single.



Você acompanha essa cena de bandas novas de Rock que vem surgindo no Brasil?


Luiz Domingues: Sim, pois tenho sido constantemente abordado para ouvir e resenhar o trabalho de artistas novos em meu Blog. Já escrevi mais de trinta resenhas sobre artistas excepcionais, mas na verdade, sei que isso representa apenas um microcosmo. Em realidade, a quantidade de artistas qualificados; inspirados, criativos e até geniais, é enorme. Então, faço o meu papel com muito prazer em dar espaço em meu humilde Blog para que tenham um pouco de visibilidade, visto que estão totalmente à margem da difusão cultural oficial. É o caso do seu Blog Brasil Rocker, igualmente, Mateus Freire, que faz o mesmo trabalho e isso deixa-me imensamente feliz por saber que não estou sozinho nessa luta árdua.


Em mais de 40 anos de carreira, com participação e tantas bandas e álbuns, qual o projeto que mais te marcou e que você mais se orgulha de ter participado?

Luiz Domingues: Não posso apontar um em específico. Todos foram importantes e motivo de meu orgulho. Enalteço cada um deles com carinho, respeito e faço o máximo para manter viva a memória dos trabalhos encerrados, que realizei no passado. No entanto, apesar de valorizar e muito, tudo o que eu já fiz, eu sempre penso que o melhor trabalho é o que faço na atualidade, por ele estar vivo, no seu pleno frescor artístico. Portanto, estou plenamente empenhado em valorizar Os Kurandeiros.



Bem, estamos chegando ao final da entrevista... Foi uma grande honra para mim entrevistar um dos 3 melhores contrabaixistas brasileiros, e que você continue sendo essa pessoa simpática e intelectual! Passo a palavra para você, caso queira dar algum recado recado aos seus fãs e aos leitores do Blog

Luiz Domingues: Eu que agradeço-lhe pelo convite e sobretudo, pelas palavras super elogiosas que proferiu em relação ao meu trabalho realizado, ao longo da minha carreira toda, também ao atual e igualmente à minha pessoa. Está de parabéns, certamente, por trabalhar com tanta dedicação para fazer deste Blog, um baluarte em prol do Rock Brasileiro, passado e presente. Tenha a certeza que só teremos um futuro se uma ação desse tipo prosseguir e multiplicar-se.

Convido os seus leitores a seguir as atividades da minha banda, Os Kurandeiros e visitar os meus Blogs! No meu Blog 1, reúno toda a minha produção com textos publicados em outros Blogs, Sites & revistas impressas e também lanço textos exclusivos. Não escrevo somente sobre música, devo alertar os leitores. No Blog 2, contém textos alternativos, geralmente crônicas, abro espaços para colunistas convidados e também publico trechos da minha autobiografia na música, em formato de micro capítulos. E uso o Blog 3, exclusivamente para tratar da carreira musical. Ali tem o texto na íntegra da minha autobiografia com os capítulos formatados igual ao livro impresso (que aliás, está a caminho), além de material em geral sobre todas as bandas onde eu atuei e atuo.

Blog Luiz Domingues 1:

http://luiz-domingues.blogspot.com/
Blog Luiz Domingues 2
http://blogdoluizdomingues2.blogspot.com/

Blog Luiz Domingues 3
http://luizdomingues3.blogspot.com/


Muito grato pelo espaço, Mateus. Longa vida ao Blog Brasil Rocker e ao Rock Brasileiro!




13 comentários:

  1. Muito bom conteúdo. Acompanhei muito o trabalho deste mestre e um orgulho vendo atuando.
    Parabéns a Brasil Rocker e ao grande Luiz!

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    1. Muito grato pelo comentário elogioso !

      Fico muito contente pela sua atenção e apoio !

      Grande abraço !

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  2. Obrigado! Realmente, o que o Luiz Domingues fez para o Rock Nacional é um trabalho de imensa importância, e é muito bom ainda vê-lo em ação!

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    1. Eu que agradeço-lhe pelo apoio, jovem Mateus Freire. Seu entusiasmo é um alento ao Rock brasileiro, tão combalido nos últimos tempos.

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  3. Parabéns amigo e parceiro Luiz Domingues pela entrevista e o blog pelo espaço.
    Um abração - Carlão

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    1. Opa, seja bem vindo ao Blog, mestre Carlão!! Outro mestre do contrabaixo brasileiro!!!

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    2. Que maravilha receber o apoio do grande, Carlão Gaertner ! Muito obrigado pela força e sigamos em frente, juntos. Rock on !

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  4. Tive o prazer de ser aluno deste mestre das 4 cordas, parabéns pela entrevista.

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    1. É verdade, o grande Prik frequentou as minhas aulas, bem no início dos anos noventa. E daí em diante, tornamo-nos amigos ! Grato pelo apoio sempre muito bem vindo de sua parte, Prik !

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  5. Ótima entrevista, fotos e videos alucinantes, com certeza o melhor (na minha humilde opinião) baixista do Rock Brazuca.

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    1. O considero um dos maiores contrabaixistas nacionais!

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    2. Fantástico contar com o seu apoio, sempre, amigo Kim Lima ! Seus elogios, comovem-me, certamente. Sem palavras para agradecer-lhe. Rock on !

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